
Tenho certeza que muitos já devem ter ouvido falar da "síndrome da carteirada", ou seja, aquela pessoa que por algum motivo, função, altura, cor, descendência, etc., acha que é melhor que o restante do mundo. Outorga a si o direito de espalhar um séquito invisível por todo o mundo. E, diga-se de passagem, este fenômeno às vezes se repete em nossas próprias comunidades cristãs.
Essa situação, guardadas as devidas proporções, se dá em nossas comunidades na postura e atitudes de membros que fundaram a comunidade, em coordenadores de pastorais, de ministérios, de bandas e por aí vai. Até mesmo padres e religiosos caem neste pecado de autoritarismo egoísta. Por isso, nós, como discípulos de nosso Senhor, devemos reconduzir a nossa conduta e fugir deste mal que percorre as comunidades.
Para esta reflexão, voltemos à fonte de nossa fé, o Evangelho. Gostaria de destacar perguntas importantes acerca de Jesus e de sua missão no Evangelho de Marcos: quem é Jesus? Qual a sua liderança? Quais direitos sua missão lhe concede? Caminhemos juntos com Jesus ancorados nestas perguntas.
Diferentemente dos outros evangelhos sinóticos, o Evangelho de Marcos não se inicia pela genealogia de Jesus, ou seja, não começa apontando sua origem. No Evangelho de Marcos, Jesus não tem genealogia nem recebe título porque Ele é visto como o "servo", sendo assim desprovido de origem ou título terreno. Essa "não-origem" revela, de certo modo, uma grandeza. Essa grandeza toma-se mais clara se feita uma analogia entre o Evangelho de Marcos e o Livro do Gênesis. Marcos utiliza a mesma palavra do primeiro livro da Sagrada Escritura: Gênesis - "Gênesis do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus - Ou seja "Origem da boa notícia de Jesus, o Filho daquele que é Eterno, Deus.
Jesus não atribuirá a si direito algum sobre as coisas ou pessoas; atribuirá tudo à bondade de Deus, da qual Ele procede. Jesus convidará todos à conversão para, assim, alcançar o Reino do Céu. O Evangelho de Marcos aborda a temática do Servo Sofredor, apesar da palavra 'sofredor' ser utilizada de modo equivocado, pois o mais correto seria Servo 'Servidor'. São Paulo salienta esta característica ao recordar as únicas palavras de Jesus fora dos evangelhos: "Há mais alegria em dar do que receber" [Atos, 20,35]. O servir de Cristo era partilhar do amor de Deus Pai, do qual Ele era oriundo.
Ao longo de nossa caminha se faz necessário retomarmos diversas vezes ao Evangelho com o desejo de experimentarmos essa generosidade de Cristo que procede do Pai, já que, por vezes, temos a mesma falta de entendimento dos discípulos. Jesus faz uma dura correção a João e Tiago, que desejam sentar-se um à sua direita e outro à esquerda [Marcos 10,35-39]. Parece que essa situação se repete de modo semelhante em nossos tempos, pois após tantos anos ao lado de Cristo ainda desejamos ser servidos!
O serviço desenvolvido em prol de Cristo não pode gerar sofrimento, embora seja sacrifício. Deve ser expressão do nosso entendimento do próprio convite de Cristo. O amor que sentimos por Deus nos leva a amar as outras pessoas, acolhendo, curando, partilhando e até mesmo sofrendo com os nossos irmãos. Isto em Cristo se dá frente a sua íntima união com Deus Pai: pela madrugada se colocou a rezar [Marcos 2,35]; retirou-se para o outro lado da margem [Marcos 3,7]; no momento mais importante consolou-se junto ao Pai [Marcos 14,35].
Muitos dos nossos grupos, pastorais e ministérios fazem uma parada de férias neste mês de julho. Que bom seria se neste período pudéssemos nos perguntar: "Que servo sou eu para a minha comunidade? Que serviço estende aos membros do meu grupo? O meu ministério é um fardo que conduzo apoiado no exemplo de Cristo?"
Não importa de onde viemos ou que fazemos, mas importa sim se fazemos em nome de Cristo. E tudo aquilo que é feito em seu nome terá a sua marca de misericórdia, compaixão, perdão e serenidade. O serviço dentro da comunidade não traz certezas, traz esperança. Esperança essa que, traduzida em perseverança, nos devolve a certeza e confirma a presença de Cristo em nosso meio. Fica claro o exemplo das discípulas que na manhã de domingo vão ao túmulo para ungir o corpo Jesus. [Marcos 16,2-6].
Queridos irmãos, em nossos ambientes eclesiais, caso tenhamos que fazer a pergunta: "sabe com quem você está falando?" ou alguém venha a nos fazer esta pergunta, prontamente nos responde Jesus: "És tu aquele que faz a vontade de meu Pai?" [Marcos 3,35]. Caso sejamos, estaremos juntos na mesma messe, trabalharemos juntos na edificação de um Reino que se assemelha ao comportamento das crianças [Marcos 9,36].
Que o Senhor nos dê sabedoria e discernimento para cumprir a sua vontade.
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Frei Ennis Cláudio Araújo
Cavaleiro da Imaculada (Ed. 364 – julho, 2010)
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